O Laudo Psicológico como Meio de Prova
- Equipe GCC Brasil

- 28 de jun. de 2020
- 7 min de leitura
Atualizado: 18 de ago. de 2021
Caso concreto de indenização por danos morais

1. Indenização por dano exclusivamente moral
O dano moral é conceituado pela doutrina brasileira como lesão que atinge interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, sendo o bem lesionado integrante dos direitos da personalidade, como intimidade, honra, dignidade, imagem e bom nome que acarretam ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação.
Sobre a indenização por dano moral, Sílvio de Salvo Venosa leciona[1]:
“Nesse sentido, a indenização pelo dano exclusivamente moral não possui o acanhado aspecto de reparar unicamente o pretium doloris, mas busca restaurar a dignidade do ofendido. Por isso, não há que se dizer que a indenização por dano moral é um preço que se paga pela dor sofrida. É claro que é isso e muito mais. Indeniza-se pela dor da morte de alguém querido, mas indeniza-se também quando a dignidade do ser humano é aviltada com incômodos anormais na vida em sociedade. Assim, exemplifica-se, é incômodo perfeitamente tolerável aguardar alguns minutos em uma fila para obter um serviço público ou privado; é incômodo intolerável e atenta conta a dignidade da pessoa ficar numa fila mais de 24 horas para se obter vaga para o filho em escola pública ou para ser atendido pelo sistema oficial de saúde, como noticiam com frequência os órgãos da imprensa. Em cada caso específico, cumpre ao intérprete que dê a correta resposta a incômodos anormais que conta a personalidade como privacidade, valores éticos, religião, vida social.”
No mesmo contexto, quanto ao dano moral, Carlos Roberto Gonçalves cita os ensinamentos de Sérgio Cavalieri[2]:
“A dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar.”
Nesse sentido, a atual jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo entende que para a ocorrência do dano moral indenizável, o fato deve extrapolar o mero aborrecimento, isto é, o dissabor cotidiano.

Assim, um simples descumprimento contratual, por exemplo, uma recusa de autorização para realização de procedimento cirúrgico pelo plano de saúde, não gera, por si só, o dano moral. São necessários fatos que se revistam de tal gravidade, isto é, superando o mero aborrecimento e a normalidade.
Assim, constitui dano moral indenizável apenas a dor, o vexame, o sofrimento ou a humilhação que, exorbitando a normalidade, afetem profundamente o comportamento psicológico do individuo, causando-lhe aflições, desequilíbrio e angústia.[3]
2. Perícia Psicológica como meio de prova
A prova pericial é o meio adequado para a comprovação de fatos cuja apuração depende de conhecimentos técnicos, exigindo o auxílio de profissionais especializados. Isto porque não é admissível exigir que o juiz disponha de conhecimentos universais a ponto de examinar cientificamente tudo sobre a veracidade e as consequências de todos os fenômenos possíveis de figurar nos pleitos judiciais.

Não raras vezes, portanto, terá o juiz de se socorrer de auxílio de pessoas especializadas, como engenheiros, agrimensores, médicos, contadores, químicos etc., para examinar as pessoas, coisas ou documentos envolvidos no litígio e formar sua convicção para julgar a causa, com a indispensável segurança.[4]
Quanto ao tema, Daniel Amorim Assumpção tece importantes considerações[5]:
A prova pericial é meio de prova que tem como objetivo esclarecer fatos que exijam um conhecimento técnico específico para a sua exata compreensão. Como não se pode exigir conhecimento pleno do juiz a respeito de todas as ciências humanas e exatas, sempre que o esclarecimento dos fatos exigir tal espécie de conhecimento, o juízo se valerá de um auxiliar especialista, chamado de perito.
Neste contexto, é cabível o uso prova pericial para a verificação do mal psíquico sofrido, isto é, para comprovar os danos morais sofridos. Tal perícia psicológica pode ser tanto a judicial, o juiz nomeia o perito, ou a extrajudicial na qual as partes apresentam pareceres técnicos em suas manifestações.
Assim, se uma pessoa entende que sofreu algum dano moral, antes mesmo de ajuizar a ação de indenização, poderá contratar um psicólogo de sua confiança para a elaboração

de um laudo apto a ser juntado no processo como prova.
Neste contexto do dano moral, em se tratando de uma perícia complexa é possível que os laudos sejam realizados por um psicológico conjuntamente com um médico psiquiatra.[6]
Se o juiz considerar os laudos trazidos pelas partes suficientes para a solução do caso, poderá até mesmo dispensar a realização da prova perícia judicial.[7] Caso contrário, o juiz nomeará o perito judicial e fixará de imediato o prazo para entrega do laudo sobre a questão.
Importante mencionar que o convencimento do juízo não está necessariamente vinculado ao teor da conclusão do laudo pericial, devendo esse analisar os autos como um todo e verificar a verossimilhança do que está sendo alegado em confronto com todo conjunto probatório apresentado.[8]
Como a prova pericial possui relevância, cabe ao juiz expressamente indicar na fundamentação os motivos pelos quais não adotou as conclusões periciais, com a indicação das outras provas que entendeu suficientes à formação de seu convencimento.[9]
3. Caso Concreto de indenização por danos morais
Ementa:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DE DANOS MORAIS E MATERIAIS Pedidos fundados na responsabilidade civil objetiva do Estado e na responsabilidade subjetiva do funcionário - Servidor que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincula - Extinção do processo, sem julgamento de mérito, relativamente à servidora, nos termos do artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil Apelo da corré provido, nesse ponto. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO EDUCACIONAL - PUNIÇÃO DISCIPLINAR APLICADA A CRIANÇA, SEM CONHECIMENTO DOS REPRESENTANTES LEGAIS PRELIMINAR Pretensa nulidade da sentença - Confecção de laudo psicológico, antes da citação. Ausência de alegação no momento oportuno Oportunidade de impugnação Preliminar rejeitada. MÉRITO - Demonstrado nexo de causalidade Danos morais configurados Prejuízo que foge à seara de mero aborrecimento cotidiano Lesão a direito de personalidade configurada Redução do montante fixado na r. sentença Cabimento Utilização de critérios de razoabilidade e proporcionalidade. Apelo da Fazenda Estadual parcialmente provido, com observação. (Apelação Cível nº 1023433-47.2016.8.26.0554).
Em síntese, havia um passeio escolar para Bienal do Livro. Ocorre que no momento de ingressar no ônibus da excursão, uma criança foi impedida de entrar em razão de suposta indisciplina escolar e ao fato de não ter apresentado uma apostila a uma das aulas na semana anterior. Quando do ocorrido, a criança ficou “aos prantos” em uma sala, sozinha, no fundo da secretaria da unidade.
Diante da ocorrência, a criança representada pela mãe ajuizou uma ação em face Fazenda do Estado de São Paulo, pois a escola é estadual, com intuito de receber:
Indenização por danos morais tendo em vista o mal psíquico;
Obrigação de fazer consistente em retratação da coordenadora e dos professores envolvidos;
Determinação para que sejam realizadas atividades aptas a reintegrar a criança na sala de aula, evitando perseguições e provocações;
Inconformada, a mãe alega que não houve informação prévia sobre o impedimento da criança em participar do evento escolar. Além disso, a mesma relata que após o ocorrido a criança começou a ser “perseguida” por professores, coordenadores e alunos da escola.

Em decisão, o juiz determinou a realização de avaliação psicológica, sendo que no laudo foi constatado que as consequências do evento foram notoriamente danosas à criança.
Segundo tal laudo:
“teria potencializado as dificuldades da criança de socialização e aceitação junto a seus pares e professores, além de sua relação consigo mesma alimentação além do necessário, intensificação em hábitos como roer unhas. Diante do exposto, poder-se-ia considerar que a criança tem sentido repercussões daquela situação (e seus desdobramentos) em sua vida e que tais reflexos vêm sendo prejudiciais ao seu dia-a-dia e potencialmente a seu desenvolvimento saudável.”
Assim, considerou que os dissabores vivenciados pela criança decorrentes da lesão psicológica sofrida e situação de constrangimento a que foi exposta, fogem à esfera de mero aborrecimento cotidiano.

A criança se viu em situação vexatória diante dos colegas de escola e punida, sem conhecimento de seus representantes legais e oferecimento de oportunidade de defesa, o que, por si, já caracteriza aborrecimento demasiado acima do comum, principalmente, diante da situação de impotência vivenciada, e, em um ambiente escolar.
4. Conclusão
Dessa forma, tendo em vista que dano moral é constituído pela a dor, o vexame, o sofrimento ou a humilhação que afeta profundamente o comportamento psicológico do individuo, é cabível a prova pericial psicológica para verificação do mal psíquico sofrido.
Dentro do processo, o laudo psicológico será analisado pelo juiz conjuntamente com as outras provas, pois tal laudo não é uma sentença, mas apenas fonte de informação em um conjunto de provas.
5. Referências Bibliográficas:
TJ-SP 1023433-47.2016.8.26.0554 SP, Relator: Spoladore Dominguez, Data de julgamento: 04/07/2018, 13ª Câmara de Direito Público, Data de publicação: 05/07/2018.
Direto civil: responsabilidade civil / Sílvio de Salvo Venosa- 13. ed. -São Paulo : Atlas, 2013. (Coleção direito civil; v. 4).
Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. I / Humberto Theodoro Júnior. 56. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015.
Manual de direito processual civil – Volume único / Daniel Amorim Assumpção Neves – 8. ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016
[1] Direto civil: responsabilidade civil / Sílvio de Salvo Venosa- 13. ed. -São Paulo : Atlas, 2013. - (Coleção direito civil; v. 4), pág. 301. [2] Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil, v.4 - 11º edição, São Paulo: Saraiva, 2016. [3] Apelação Cível nº 1001386-15.2018.8.26.0197 Relatora: Fernanda Gomes Camacho Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado Apelante: SUL AMERICA COMPANHIA DE SEGURO SAUDE Apelados: Sociedade Beneficente São Camilo, Edson Araujo dos Santos. Prolator(a): Rodrigo Marcos de Almeida Geraldes. [4] Curso de Direito Processual Civil – Teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum – vol. I / Humberto Theodoro Júnior. 56. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2015, pág. 1445. [5] Neves, Daniel Amorim Assumpção Manual de direito processual civil – Volume único / Daniel Amorim Assumpção Neves – 8. ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. [6] A exigência de multiplicidade de peritos conforme a multiplicidade de conhecimentos técnicos exigidos é decorrência natural da própria razão de ser da prova pericial. (Neves, Daniel Amorim Assumpção Manual de direito processual civil – Volume único / Daniel Amorim Assumpção Neves – 8. ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, pág. 1.336.) [7] Art. 472. O juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem, sobre as questões de fato, pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes. [8] Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371 , indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito. [9] Neves, Daniel Amorim Assumpção Manual de direito processual civil – Volume único / Daniel Amorim Assumpção Neves – 8. ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, pág. 1.348.
Marina Mancilha C. dos Santos
Advogada (OAB 375.746) da Equipe GCC Brasil Perícias, formada da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Pós-graduada em Direito Constitucional pela Faculdade Damásio de Jesus.
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